Dados recentes revelam um cenário alarmante de crescimento acelerado da sífilis no Brasil, refletindo uma tendência global preocupante. A situação é particularmente grave entre as gestantes, evidenciando falhas significativas na atenção primária e no cuidado pré-natal. Entre 2005 e junho de 2025, o país registrou mais de 810 mil casos de sífilis em grávidas, com uma taxa nacional de detecção que atingiu 35,4 casos por mil nascidos vivos em 2024. Este número sublinha o avanço preocupante da transmissão vertical, onde a infecção é transmitida da mãe para o bebê, resultando em complicações graves para os recém-nascidos. A sífilis, embora de fácil diagnóstico e tratamento de baixo custo, persiste como um desafio substancial para a saúde pública brasileira.
Avanço alarmante da sífilis no Brasil
A luta contra a sífilis congênita, transmitida da mãe para o bebê durante a gestação ou parto, é um esforço que se estende desde a década de 1980 no Brasil. Apesar de ser uma doença bacteriana curável, o país tem encontrado dificuldades persistentes em reduzir suas cifras de maneira significativa. A ginecologista Helaine Maria Besteti Pires Mayer Milanez, membro da Comissão Nacional Especializada em Doenças Infectocontagiosas da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), aponta que, diferentemente do sucesso alcançado no controle do HIV, a sífilis ainda não teve resultados positivos equivalentes no Brasil. Esta situação representa um problema sério tanto para a população adulta jovem quanto para a população em idade reprodutiva, impactando diretamente o aumento da transmissão vertical.
Transmissão vertical: um desafio persistente
Os números da sífilis em gestantes são contundentes, com 810.246 casos registrados no período de 2005 a junho de 2025. A Região Sudeste lidera o percentual de diagnósticos, com 45,7% do total, seguida pelo Nordeste (21,1%), Sul (14,4%), Norte (10,2%) e Centro-Oeste (8,6%). Essa distribuição regional evidencia a necessidade de políticas de saúde direcionadas e fortalecidas em diversas áreas do país. A taxa de detecção da sífilis em gestantes e a incidência da sífilis congênita são considerados indicadores importantes da qualidade da assistência pré-natal. O aumento dessas taxas reflete lacunas na identificação e no tratamento precoce da doença durante a gravidez, colocando em risco a saúde de milhares de crianças. A transmissão vertical pode levar a abortos espontâneos, partos prematuros, natimortos e graves sequelas no desenvolvimento do bebê, incluindo cegueira, surdez, deformidades ósseas e problemas neurológicos.
Desafios na detecção e manejo da doença
Um dos grandes entraves no controle da sífilis é o subdiagnóstico e a interpretação inadequada dos exames. Helaine Milanez alerta que, infelizmente, muitos profissionais de saúde falham na correta identificação da infecção. No Brasil, o teste VDRL (Venereal Disease Research Laboratory), um teste não treponêmico, é amplamente utilizado para triagem e acompanhamento do tratamento. No entanto, sua interpretação deve ser cuidadosa, especialmente em conjunto com o teste treponêmico, que, uma vez positivo, permanece assim por toda a vida, indicando contato prévio com a bactéria. O erro comum ocorre quando um profissional vê um teste treponêmico positivo e um não treponêmico negativo, assumindo que se trata de uma “cicatriz” da doença e que não há necessidade de tratamento. Contudo, em muitas gestantes, o teste não treponêmico pode apresentar títulos baixos ou até estar negativo em fases iniciais ou latentes da doença, o que não descarta a necessidade de tratamento. Essa falha de interpretação permite que o ciclo de infecção persista, infectando o parceiro sexual e, consequentemente, o feto em desenvolvimento.
Interpretação complexa de exames e a falha no tratamento do parceiro
Outro problema crucial é o não tratamento ou o tratamento inadequado dos parceiros sexuais das gestantes infectadas. Quando o parceiro não recebe tratamento, a bactéria continua circulando, levando à reinfecção da mulher grávida e mantendo o risco de transmissão para o bebê. A interpretação errônea da sorologia no pré-natal e a negligência no tratamento do parceiro são fatores que contribuem diretamente para o desfecho da sífilis congênita. A Febrasgo, em colaboração com o Ministério da Saúde, promove cursos e elabora materiais técnicos para orientar profissionais de saúde sobre a prevenção e tratamento das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), incluindo a sífilis. A especialista enfatiza que não há falta de informação, mas sim a necessidade de aplicar e estudar os protocolos existentes, que estão disponíveis online. A ocorrência de sífilis congênita é, portanto, um dos melhores marcadores da qualidade da atenção pré-natal, indicando onde as melhorias são mais urgentes.
Grupos de risco e a perigosa ausência de sintomas
A população mais afetada pela sífilis, e também pelo HIV, atualmente no Brasil concentra-se em duas faixas etárias distintas: jovens entre 15 e 25 anos e a terceira idade. Entre os jovens, a queda do medo em relação às infecções sexualmente transmissíveis, motivada pela percepção do HIV como uma doença crônica tratável, levou ao abandono dos métodos de barreira. Já na terceira idade, o aumento da vida sexual ativa, frequentemente facilitado por medicamentos para desempenho sexual e a ausência do risco de gravidez, também contribui para a negligência no uso de preservativos.
Um desafio adicional reside na natureza assintomática da doença. Mais de 80% das mulheres grávidas não apresentam sintomas durante a gestação, vivenciando a forma latente da sífilis. Se o exame não for interpretado corretamente, a doença não é tratada e evolui, infectando a criança. Nos homens, a prevalência da doença assintomática também é alta. A sífilis primária manifesta-se inicialmente como um cancro (úlcera genital), que pode surgir no pênis, na vagina, colo do útero ou cavidade oral. No entanto, essa lesão, mesmo sem tratamento, tende a desaparecer, levando o indivíduo a não procurar atendimento médico e, assim, continuar transmitindo a doença. Lesões secundárias, como exantema difuso (manchas na pele) e alopecia, também podem desaparecer espontaneamente, mascarando a infecção. A fase latente é a mais perigosa nesse sentido, pois, sem sintomas visíveis, o homem pode transmitir a doença sem saber. A ausência de sintomas na fase primária e secundária, e a fase latente, dificultam a identificação e o tratamento, tornando a triagem ativa e o rastreamento de parceiros sexuais essenciais. A proximidade de festas como o Carnaval intensifica esse risco, devido ao aumento das práticas sexuais desprotegidas. Embora existam avanços na prevenção do HIV, como a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), não há uma ferramenta similar para a sífilis que ofereça a mesma eficácia preventiva. Em gestantes com sífilis recente, a chance de acometimento fetal pode chegar a 100%, reforçando a urgência do diagnóstico e tratamento.
O caminho para o controle: diagnóstico, tratamento e prevenção
O combate à sífilis no Brasil exige uma abordagem multifacetada e contínua. É fundamental fortalecer a atenção pré-natal, garantindo que todas as gestantes realizem o teste para sífilis precocemente e, se positivo, recebam o tratamento adequado e imediato. A capacitação dos profissionais de saúde é crucial para que interpretem corretamente os exames sorológicos e compreendam a importância de tratar também os parceiros sexuais. A conscientização da população, especialmente dos jovens e idosos, sobre os riscos das Infecções Sexualmente Transmissíveis e a importância do uso consistente de preservativos, é igualmente vital. A sífilis é uma doença curável, mas suas consequências, especialmente a sífilis congênita, podem ser devastadoras. O controle da doença passa pela quebra da cadeia de transmissão, que só é possível com diagnóstico precoce, tratamento efetivo e a colaboração de todos os envolvidos, desde a população até os sistemas de saúde.
Perguntas frequentes (FAQ)
Qual a principal causa do aumento da sífilis no Brasil?
O aumento da sífilis no Brasil é atribuído a múltiplos fatores, incluindo a queda do uso de métodos de barreira (como o preservativo) por parte da população jovem e idosa, o subdiagnóstico e a interpretação inadequada dos exames, e a falta de tratamento ou tratamento inadequado dos parceiros sexuais.
Como a sífilis afeta as gestantes e seus bebês?
Em gestantes, a sífilis pode ser assintomática, mas pode levar a complicações graves como aborto espontâneo, parto prematuro, natimorto e, mais frequentemente, a sífilis congênita no bebê. A sífilis congênita pode causar sequelas permanentes, incluindo cegueira, surdez, deformidades ósseas e problemas neurológicos.
Quais são os principais desafios no diagnóstico e tratamento da sífilis?
Os desafios incluem a interpretação complexa dos testes sorológicos (VDRL e treponêmico), o erro comum de considerar um resultado como “cicatriz” sem necessidade de tratamento, a alta prevalência de casos assintomáticos que não procuram atendimento, e a falha em diagnosticar e tratar os parceiros sexuais.
A sífilis tem cura? Qual o tratamento?
Sim, a sífilis é uma doença curável. O tratamento padrão é feito com penicilina benzatina, que é altamente eficaz. A dosagem e o regime de tratamento variam conforme a fase da doença. É fundamental que o tratamento seja supervisionado por um profissional de saúde e que os parceiros sexuais também sejam tratados para evitar a reinfecção.
Para mais informações sobre a prevenção e tratamento da sífilis, consulte um profissional de saúde ou acesse os materiais educativos do Ministério da Saúde e da Febrasgo.
Jornal Imprensa Regional O Jornal Imprensa Regional é uma publicação dedicada a fornecer notícias e informações relevantes para a nossa comunidade local. Com um compromisso firme com o jornalismo ético e de qualidade, cobrimos uma ampla gama de tópicos, incluindo:

