© Tânia Rêgo/Agência Brasil

Estado usa leis para justificar mortes de negros, aponta estudo

Pesquisadores apontam que o sistema legal brasileiro tem sido utilizado para racionalizar e justificar a violência letal contra a população negra. A conclusão é de Thiago Amparo, professor de Direito da FGV e membro da Comissão Arns, durante o debate “Racismo, segurança pública e democracia” na Unifesp.

Estudos do Centro de Pesquisa de Justiça Racial e Direito da FGV questionam a dicotomia entre um sistema jurídico que supostamente respeita o Estado de Direito e a prática da necropolítica, onde o Estado decide quem vive e quem morre. Segundo Amparo, o sistema jurídico, por meio de suas regras, muitas vezes valida a violência.

Um exemplo citado é a aplicação seletiva da legítima defesa, que permite abusos por agentes do Estado. O caso do músico Evaldo Rosa, morto em 2019 por militares que dispararam 257 tiros contra seu carro, é emblemático. Os militares alegaram legítima defesa, afirmando ter confundido o veículo com outro roubado. O Superior Tribunal Militar (STM) chegou a reduzir as condenações dos militares envolvidos.

Mauro Caseri, ouvidor da polícia do Estado de São Paulo, ressalta que as mortes decorrentes de intervenção policial têm um forte componente racial, concentrando-se em jovens negros de 19 a 29 anos em áreas específicas das cidades.

O ouvidor também destaca o alto índice de arquivamento de processos de mortes em ações policiais pelo Ministério Público de São Paulo. Segundo ele, 95% dos policiais acusados de homicídio têm seus processos arquivados, e dos 5% restantes, 95% são absolvidos.

Caseri defende a instalação de câmeras corporais em toda a tropa da Polícia Militar em São Paulo como forma de reduzir a letalidade policial, pois obriga os policiais a seguirem protocolos, evitando abordagens truculentas. Ele também enfatiza a importância da preservação do local das ocorrências para a produção de laudos periciais eficientes, já que muitos laudos apresentados no Tribunal do Júri são considerados frágeis devido à falta de preservação do local.

Thiago Amparo também critica o desrespeito a normas de direito processual. A pesquisa “Suspeita fundada na cor” (FGV-2023) revelou que muitas provas em casos de tráfico de drogas são obtidas por meio de invasões irregulares a domicílios, justificadas como “entrada franqueada”. Argumentos da defesa sobre ilegalidades na obtenção de provas são frequentemente ignorados pelo Judiciário.

A falha na produção de provas dificulta a responsabilização de agentes do Estado. A pesquisa “Mapas da Injustiça” (FGV-2025), analisando 800 casos de mortes decorrentes de intervenção policial em São Paulo, constatou que 85% dos processos não tiveram exame de pólvora nas vítimas, o que dificulta a comprovação da dinâmica dos fatos.

Amparo argumenta que o uso das regras jurídicas para manter a violência, especialmente contra negros, é um projeto político que envolve opacidade de dados e seletividade na implementação de câmeras e nos protocolos policiais.

Ele compara as mortes atuais cometidas pelo Estado às execuções durante a ditadura militar, apontando continuidades importantes na forma como essas mortes acontecem, indicando que nem todos vivem sob um regime democrático com direitos iguais.

A pesquisa Mapa da Injustiça revelou que 40% das vítimas apresentavam sinais de agressão anteriores à morte, como hematomas e estrangulamento. A narrativa predominante nos processos, segundo Amparo, é a de que a vítima era violenta e atacou primeiro, levando à reação em legítima defesa, mas essa versão é difícil de ser comprovada, dependendo apenas da palavra dos policiais envolvidos.

Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br

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