Guia Pro Pet
© Alexandre Macieira/SECOM

Fogos de artifício: impacto sensorial em autistas e populações vulneráveis

ANUNCIO COTIA/LATERAL

A tradicional queima de fogos de artifício, um espetáculo de luzes e sons que marca a virada do ano e outras celebrações, esconde um lado sombrio para uma parcela significativa da população. Enquanto muitos celebram, o barulho intenso e imprevisível dos artefatos pirotécnicos pode desencadear sofrimento profundo em indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), idosos, especialmente aqueles com demência, e bebês. Longe de ser um mero incômodo, a exposição a esses ruídos pode provocar crises sensoriais severas, ansiedade e até problemas de saúde duradouros. A discussão sobre a adaptação dessas festividades para garantir a inclusão e o bem-estar de todos torna-se cada vez mais urgente na sociedade contemporânea.

O impacto da queima de fogos no espectro autista

Para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), a experiência da queima de fogos vai muito além de um simples desconforto auditivo. O neuropediatra Anderson Nitsche explica que autistas possuem uma sensibilidade sensorial ao som muito mais aguçada, o que transforma o espetáculo em uma fonte de profunda perturbação. Essa sensibilidade extrema pode gerar não apenas um sofrimento momentâneo, mas também consequências que se estendem por dias, como insônia e alterações significativas no bem-estar geral. A incapacidade de processar o som alto e prolongado como algo festivo é uma barreira fundamental.

Crise sensorial: um mergulho na experiência autista

Diante do volume estrondoso e da imprevisibilidade dos fogos, pessoas no espectro autista podem entrar no que é denominado crise sensorial. Esse estado de sobrecarga é caracterizado por alterações comportamentais drásticas. A neurologista Vanessa Rizelio detalha que, para o cérebro autista, o ruído não é interpretado como celebração, mas sim como uma ameaça ou um evento extremamente negativo que gera intenso desconforto. As reações podem variar desde ansiedade aguda e um desejo incontrolável de fugir do ambiente, até manifestações de irritabilidade, choro inconsolável e, em casos mais graves, agressividade direcionada a si mesmo ou a terceiros.

A neuropediatra Solange Vianna Dultra compara a sensação vivenciada por essas pessoas a estar no meio de um tiroteio, destacando os efeitos fisiológicos imediatos. O organismo reage com uma descarga de adrenalina, acelerando os batimentos cardíacos e elevando a pressão arterial. O som dos fogos é percebido como um ataque, uma experiência traumática que desregula o sistema nervoso. Essa percepção alterada dos estímulos sonoros é tão intensa que mesmo ruídos cotidianos, como o recreio escolar, já podem ser desafiadores para alguns indivíduos no espectro. A compreensão dessa realidade é crucial para que a sociedade possa oferecer um ambiente mais acolhedor e seguro.

Consequências além da virada: sono e bem-estar

As repercussões da queima de fogos não se limitam apenas ao momento da celebração. O trauma sensorial pode impactar a qualidade de vida do autista por vários dias. A insônia é uma das consequências mais comuns, resultando em noites sem descanso e, consequentemente, em fadiga e irritabilidade acentuadas durante o dia. Esse prejuízo no sono afeta diretamente a capacidade de concentração, o humor e o comportamento, gerando um ciclo de sofrimento para o indivíduo e toda a sua família. A necessidade de criar espaços de segurança e conforto é vital para mitigar esses efeitos prolongados, pois o estresse pós-evento pode ser tão debilitante quanto a crise em si.

Vulnerabilidades ampliadas: idosos e bebês

Além das pessoas com TEA, outros grupos populacionais são extremamente vulneráveis ao barulho excessivo da queima de fogos, demandando atenção e consideração. Idosos e bebês, por diferentes razões, sofrem impactos significativos que comprometem sua saúde e bem-estar. A conscientização sobre essas vulnerabilidades é fundamental para promover celebrações mais inclusivas e seguras para toda a comunidade, garantindo que a alegria de uns não se traduza em sofrimento para outros.

Os riscos para a saúde dos idosos e pessoas com demência

Para os idosos, especialmente aqueles que convivem com demência, a queima de fogos representa um desafio particular. A neurologista Vanessa Rizelio aponta que a dificuldade no processamento de informações, uma característica comum em quadros de demência, é severamente agravada pelos ruídos intensos e inesperados. O barulho dos fogos pode desencadear surtos de delírios e alucinações, causando grande desorientação e angústia. As consequências se estendem para o dia seguinte, afetando o sono, a memória e o raciocínio, e comprometendo a rotina e a qualidade de vida. O ambiente ruidoso se torna um fator desestabilizador para uma mente já fragilizada.

Bebês: a interrupção do sono e o desenvolvimento

Os bebês também são negativamente afetados pelos fogos de artifício. Sua necessidade de sono é significativamente maior do que a de crianças mais velhas e adultos, e a interrupção desse sono essencial traz prejuízos importantes para o desenvolvimento. O ruído dos fogos, que muitas vezes começa horas antes do ápice da meia-noite e vai aumentando gradualmente, desperta os bebês ou os impede de adormecer. A neurologista Vanessa Rizelio enfatiza que a privação de sono pode impactar o desenvolvimento cognitivo e emocional dos pequenos, além de gerar irritabilidade e desconforto generalizado. Para minimizar esses impactos, a adoção de sons ambientais como o ruído branco ou o uso de abafadores de ouvido (para crianças maiores) são algumas das estratégias recomendadas pelas especialistas, mas a solução ideal seria a ausência do barulho.

A busca por alternativas e a necessidade de empatia

Diante dos impactos negativos da queima de fogos barulhenta, a sociedade tem buscado e implementado alternativas mais inclusivas. A evolução das tecnologias e uma crescente consciência social abrem caminho para celebrações que preservam o caráter festivo sem impor sofrimento a parcelas vulneráveis da população. A psicóloga Ana Maria Nascimento defende que, com soluções já existentes, insistir em fogos ruidosos é um “gesto de indiferença”.

Soluções inclusivas: a revolução dos fogos silenciosos e drones

Felizmente, muitas cidades brasileiras já estão revendo suas práticas e adotando legislações específicas que proíbem artefatos com barulho em celebrações públicas. A transição para fogos sem estampido, espetáculos de luzes e apresentações coreografadas com drones representam alternativas viáveis e igualmente espetaculares. Essas inovações permitem que o simbolismo das festividades seja mantido e até aprimorado, oferecendo um show visualmente impactante, mas sem o custo sensorial para idosos, bebês e pessoas com TEA. A psicóloga Ana Maria Nascimento ressalta que essas alternativas mantêm o caráter coletivo da festa e, mais importante, ampliam o direito à participação, tornando a celebração verdadeiramente inclusiva. “Quando a alegria de uns depende do sofrimento de outros, é legítimo questionar se essa tradição ainda faz sentido”, afirma.

O papel da fiscalização e da conscientização social

A neuropediatra Solange Vianna Dultra reforça que o sofrimento causado pelo ruído dos fogos não é apenas para a criança autista, mas para toda a família, que muitas vezes se isola para proteger seus entes. Ela observa que, com fogos silenciosos, a luminosidade não é um problema, pois basta manter a criança com TEA longe de janelas. Contudo, a efetividade dessas medidas depende não apenas da criação de leis, mas de sua rigorosa fiscalização. Vanessa Rizelio critica a falta de fiscalização em muitas cidades que já possuem leis de proibição de fogos ruidosos, como Curitiba, onde a lei está em vigor há mais de cinco anos, mas o barulho persiste.

O neuropediatra Anderson Nitsche, por sua vez, reitera a necessidade urgente de a sociedade adotar uma postura de maior empatia, adaptando tradições para que promovam a inclusão. “Acolher, entender e perceber que há pessoas que sofrem com determinadas tradições é tão importante quanto as próprias vivências”, ele afirma. Nitsche lembra que o autismo afeta cerca de 3% da população mundial, e mesmo que nem todos tenham alterações sensoriais auditivas, a empatia é a chave. “O processo de inclusão passa pela ideia de entender que há pessoas que são diferentes da gente e que, muitas vezes, a minha liberdade fere a liberdade do outro e gera nelas um sofrimento desnecessário”.

Conclusão

A queima de fogos de artifício, uma prática culturalmente arraigada, revela uma face de exclusão e sofrimento para pessoas com Transtorno do Espectro Autista, idosos e bebês. Os impactos vão desde crises sensoriais intensas e problemas de saúde agudos, até consequências duradouras como a insônia e o comprometimento do desenvolvimento. A transição para alternativas silenciosas e visualmente espetaculares, aliada a uma fiscalização eficaz das leis existentes e a um esforço coletivo de conscientização, são passos essenciais. Celebrar a vida e as conquistas deve ser um ato que abrace a todos, priorizando a empatia, a inclusão e o respeito às diferentes formas de experimentar o mundo. É tempo de redefinir o que significa festejar, garantindo que a alegria de uns não venha acompanhada do sofrimento de outros.

Perguntas frequentes (FAQ)

1. O que é uma crise sensorial em autistas e como ela se manifesta durante a queima de fogos?
Uma crise sensorial é uma sobrecarga de informações para o cérebro, onde estímulos como o barulho intenso dos fogos são interpretados como uma ameaça. Em autistas, isso pode gerar ansiedade severa, irritabilidade, desejo de fugir, choro e, em casos mais graves, agressividade contra si ou outras pessoas, acompanhada de reações físicas como taquicardia e aumento da pressão arterial.

2. Quais são as alternativas viáveis para a queima de fogos barulhenta?
As principais alternativas incluem o uso de fogos de artifício sem estampido (silenciosos), espetáculos de luzes com projeções e shows de drones. Essas opções proporcionam o impacto visual das celebrações sem o ruído prejudicial, garantindo a inclusão de todos os públicos.

3. Como idosos e bebês são afetados pelos fogos de artifício e como protegê-los?
Idosos, especialmente aqueles com demência, podem sofrer delírios, alucinações e ter o sono e a cognição prejudicados. Bebês têm seu sono essencial interrompido, o que pode afetar seu desenvolvimento. Para protegê-los, é recomendado mantê-los em ambientes seguros e isolados de ruídos, utilizar ruído branco para bebês ou abafadores de ouvido para crianças maiores, e buscar alternativas mais silenciosas para as celebrações.

4. Por que a fiscalização das leis que proíbem fogos ruidosos é crucial?
A fiscalização é crucial porque, mesmo com leis em vigor, a venda e o uso de fogos de artifício barulhentos persistem, anulando o objetivo da legislação. Sem fiscalização rigorosa, a proteção de pessoas vulneráveis e a promoção de celebrações inclusivas não são efetivadas, demonstrando uma falta de empatia e responsabilidade social.

5. Qual o papel da empatia na discussão sobre fogos de artifício?
A empatia é fundamental para reconhecer e compreender o sofrimento alheio. É preciso que a sociedade se coloque no lugar de quem é afetado negativamente pelos fogos, adaptando tradições e escolhendo formas de celebrar que não causem dor. A inclusão passa por entender que a liberdade de uns não deve gerar sofrimento desnecessário para outros.

Queremos construir um futuro onde todas as celebrações sejam momentos de alegria e inclusão. Compartilhe este conteúdo e ajude a promover a conscientização sobre a importância de festividades mais empáticas e seguras para todos.

Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.Os campos obrigatórios são marcados *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.