Uma intensa batalha judicial e política se desenha no Rio de Janeiro em torno da polêmica “gratificação faroeste”, um incentivo financeiro para policiais que “neutralizam criminosos”. O deputado estadual Carlos Minc (PSB) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) visando anular o Artigo 21 da Lei Estadual nº 11.003/2025. A medida, que premia agentes da Secretaria Estadual de Polícia Civil com até 150% do salário por atos de destaque, incluindo a “neutralização de criminosos”, é vista por críticos como um perigoso estímulo à letalidade policial e um retorno a práticas questionadas historicamente. Este embate não apenas desafia a constitucionalidade da lei, mas também reacende o debate sobre os métodos de segurança pública e os direitos humanos no estado. A ação de Minc surge logo após a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) derrubar um veto do governador Cláudio Castro, que havia tentado barrar a gratificação por questões orçamentárias.
A controvérsia da “gratificação faroeste”
A implementação da denominada “gratificação faroeste” reacendeu um antigo e preocupante debate sobre os limites da ação policial e os incentivos oferecidos aos agentes de segurança. A essência dessa bonificação, que agora está sob escrutínio judicial, reside em seu potencial de transformar a atuação policial em um campo de recompensa por desfechos que envolvem a morte de suspeitos, levantando sérias preocupações éticas e legais.
Origem e o significado do termo
A “gratificação faroeste” foi formalmente inserida no ordenamento jurídico fluminense através do Artigo 21 da Lei Estadual nº 11.003/2025. Esta legislação, aprovada em 22 de outubro de 2025, tem como objetivo principal a reestruturação do quadro de servidores da Secretaria Estadual de Polícia Civil. Contudo, durante sua tramitação na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), uma emenda foi adicionada, criando a bonificação que permite que policiais que se destacarem por “neutralização de criminosos”, entre outras ações, recebam um prêmio que pode chegar a 150% do seu salário-base.
É crucial entender o termo “neutralização de criminosos” no contexto empregado pelo governo do estado. Em seus comunicados à imprensa, essa expressão é utilizada como um eufemismo para se referir à morte de suspeitos durante operações policiais. Essa linguagem, por si só, já foi alvo de críticas por parte de defensores dos direitos humanos, que argumentam que ela desumaniza os indivíduos e naturaliza a letalidade como uma ferramenta de política de segurança. A inclusão de um mecanismo de premiação para tal “neutralização” intensifica essas críticas, sugerindo uma cultura de incentivo à eliminação física, em vez da prisão e do devido processo legal.
As críticas de inconstitucionalidade
A inclusão do artigo que instituiu a “gratificação faroeste” provocou uma imediata e veemente reação por parte de organizações da sociedade civil e instituições ligadas à defesa dos direitos humanos. O principal ponto de contestação é a percepção de que essa bonificação se configura como um estímulo direto à letalidade policial. Argumenta-se que, ao vincular uma recompensa financeira à morte de suspeitos, a lei pode encorajar o uso excessivo e desproporcional da força, comprometendo princípios fundamentais como a presunção de inocência, o direito à vida e o devido processo legal.
Instituições de grande peso, como a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF), já se manifestaram publicamente considerando o texto legal inconstitucional. Seus argumentos centram-se na ideia de que a lei colide com preceitos constitucionais que garantem a dignidade da pessoa humana e a proibição de penas cruéis. A preocupação é que, em vez de focar em investigações eficazes e na prisão de criminosos, o sistema possa ser pervertido para priorizar desfechos fatais, com a promessa de uma recompensa econômica para os agentes envolvidos. Esse cenário, segundo os críticos, fragiliza a segurança jurídica e a confiança da população nas forças policiais.
A trajetória legislativa e a judicialização
A “gratificação faroeste” não apenas ressurge como um mecanismo de incentivo à polícia, mas também como um ponto focal de embate entre os poderes Executivo e Legislativo, culminando agora em uma intervenção judicial. A sua trajetória revela as tensões inerentes à formulação de políticas de segurança pública em um estado com desafios tão complexos como o Rio de Janeiro.
O veto governamental e sua anulação
Após a aprovação da Lei Estadual nº 11.003/2025 pela Alerj, incluindo o controverso Artigo 21, o governador Cláudio Castro exerceu seu poder de veto sobre o dispositivo que criava a gratificação. No entanto, a justificativa apresentada pelo governador não estava diretamente ligada às preocupações com a letalidade policial ou a constitucionalidade da medida, mas sim a questões orçamentárias. Castro argumentou que o veto era indispensável para assegurar o equilíbrio das contas públicas e o cumprimento das normas de gestão fiscal do estado, uma vez que a medida criava novas despesas sem a devida previsão orçamentária.
Contrariando a decisão do Executivo, no último dia 18, os deputados estaduais da Alerj decidiram, por maioria de votos, derrubar o veto do governador. Essa ação legislativa teve o efeito de restabelecer a validade do Artigo 21, confirmando a “gratificação faroeste” como parte da lei estadual. A derrubada do veto foi oficialmente publicada no Diário Oficial do Estado na sexta-feira, dia 26, selando a volta da polêmica gratificação e abrindo caminho para sua efetivação. Essa movimentação da Alerj demonstra a persistência da vontade legislativa em implementar a medida, a despeito das ressalvas do Executivo e das intensas críticas da sociedade civil.
A ação direta de inconstitucionalidade de Minc
Diante da derrubada do veto e da consequente validação da “gratificação faroeste”, o deputado estadual Carlos Minc (PSB) agiu rapidamente. Na noite de sexta-feira, dia 26, data da publicação da derrubada do veto no Diário Oficial, Minc ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Sua ação busca anular o Artigo 21 da Lei Estadual nº 11.003/2025, com base em argumentos que vão além da questão orçamentária e focam na sua inconstitucionalidade e periculosidade.
Minc não poupa críticas à bonificação, classificando-a como “insana” e “extermínio recompensado”, o que reflete a gravidade de suas preocupações. O processo judicial apresentado pelo deputado destaca um estudo crucial que estabelece uma ligação direta entre a gratificação e casos de execuções. O deputado, que já tem um histórico de enfrentamento a essa política, relembrou: “Há 20 anos, eu derrubei, por lei, a gratificação faroeste, com base em um estudo coordenado pelo sociólogo Ignacio Cano, que mostrou que nos três anos de vigência, de 3,2 mil casos de mortes em confronto, 65% foram execuções”. Essa declaração aponta para um precedente alarmante, evidenciando que a prática, já em vigor no Rio de Janeiro entre 1995 e 1998, foi suspensa pela própria Alerj na época, justamente devido a denúncias de extermínio e abusos. O processo foi distribuído, por sorteio, ao desembargador Andre Emilio Ribeiro Von Melentovytch, que agora terá a responsabilidade de analisar a validade de uma medida que reacende fantasmas do passado e coloca em xeque os pilares da justiça e dos direitos humanos.
Conclusão
A batalha jurídica em torno da “gratificação faroeste” no Rio de Janeiro representa um momento crucial para a segurança pública e os direitos humanos no estado. A ação do deputado Carlos Minc, embasada em evidências históricas e argumentos de inconstitucionalidade, confronta diretamente uma lei que, segundo críticos, incentiva a letalidade policial e pode levar a desfechos trágicos. A decisão do Tribunal de Justiça terá implicações significativas, não apenas para a validade da gratificação, mas também para a forma como a polícia opera e é recompensada, redefinindo os padrões de atuação e a relação com a sociedade.
FAQ
O que é a “gratificação faroeste”?
É uma bonificação financeira concedida a policiais civis do Rio de Janeiro que se destacarem em suas funções, incluindo a “neutralização de criminosos”, termo utilizado pelo governo para se referir à morte de suspeitos em operações. A gratificação pode chegar a 150% do salário.
Por que a “gratificação faroeste” é considerada controversa e inconstitucional?
Organizações de direitos humanos, a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) a consideram um incentivo à letalidade policial, pois vincula uma recompensa financeira à morte de suspeitos, o que pode encorajar o uso excessivo da força e ferir princípios constitucionais como o direito à vida e a presunção de inocência.
Qual o histórico dessa prática no Rio de Janeiro?
Uma gratificação similar esteve em vigor no estado entre 1995 e 1998. Foi suspensa pela própria Alerj após denúncias de extermínio e um estudo, coordenado pelo sociólogo Ignacio Cano, que associou a prática a um alto percentual de execuções em casos de mortes em confronto.
Quem está contestando a gratificação na justiça?
O deputado estadual Carlos Minc (PSB) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para derrubar o Artigo 21 da Lei Estadual nº 11.003/2025, que recria a “gratificação faroeste”.
Acompanhe os desdobramentos deste caso vital para compreender o futuro da segurança pública e a defesa dos direitos humanos no estado do Rio de Janeiro.
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