A queda de avião em Vinhedo, ocorrida em agosto de 2024, ganhou novos e cruciais detalhes com a divulgação de gravações inéditas das conversas entre os pilotos e o controle de tráfego aéreo nos minutos que antecederam o trágico acidente. Esses áudios, tornados públicos um ano após o ocorrido, trazem à luz a comunicação protocolar e aparentemente tranquila da tripulação com os controladores, contrastando drasticamente com os alertas internos que já ecoavam na cabine da aeronave. A análise minuciosa desses diálogos, em conjunto com os dados extraídos das caixas-pretas, oferece uma perspectiva mais profunda sobre os momentos finais do voo 2283, que resultou na perda de vidas e no impacto de uma aeronave em solo paulista.
Diálogos finais: o que os áudios revelaram
As gravações obtidas fornecem um panorama detalhado da sequência de instruções e respostas trocadas entre a tripulação e o controle de tráfego aéreo nos instantes decisivos antes da queda. A comunicação, iniciada por volta das 13h14min21s, demonstrava um procedimento padrão de aproximação para pouso, com trocas de frequência e confirmações de informações, sem qualquer indício aparente de uma situação de emergência.
A troca de frequências e a comunicação protocolar
O primeiro registro de contato disponível mostra o controle aéreo orientando o Passaredo 2283 a mudar de frequência para 135,75 MHz. O piloto confirmou a instrução com a frase padrão “135,75, vai chamar Passaredo 2283. Obrigado”, denotando normalidade. Segundos depois, já na nova frequência, o piloto informou “São Paulo, Passaredo 2283, informação Sierra”, indicando que estava ciente das informações meteorológicas atualizadas do aeroporto de destino.
No entanto, a comunicação apresentou um leve problema de recepção, com o piloto reportando um “eco”. Diante disso, o controle solicitou o retorno à frequência anterior, 120,925 MHz, o que foi prontamente atendido pela tripulação. Em seguida, o controle agradeceu e instruiu a aeronave a manter o “nível 170” (5 mil metros de altitude), com o piloto respondendo educadamente: “170 vai manter. Não por isso, senhora”.
Minutos depois, às 13h18min21s, a tripulação avisou estar no ponto ideal para iniciar a descida: “Ponto ideal de descida, o Passaredo 2283”. Contudo, a instrução recebida foi a de manter a altitude: “Passaredo 2283, mantenha nível 170”. O piloto confirmou: “Mantendo nível 170, Passaredo 2283”. Pouco mais de 30 segundos após esta última troca, às 13h18min53s, o painel da aeronave já indicava, pela primeira vez, um alerta de perda de velocidade, conforme os dados da caixa-preta. Apesar disso, não houve menção a este fato na comunicação externa. O último áudio disponível, às 13h18min53s, registra o controle solicitando uma nova mudança de frequência para 123,25 MHz, prontamente confirmada pelo piloto.
O que não foi dito: alertas silenciosos na cabine
Enquanto a comunicação externa com a torre de controle mantinha um tom protocolar e tranquilo, os dados internos da aeronave, extraídos das caixas-pretas e analisados pelo relatório preliminar do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), revelaram uma realidade preocupante dentro da cabine: o acúmulo de gelo já estava comprometendo o desempenho do avião.
Discrepância entre comunicação externa e interna
As investigações apontaram que os primeiros contatos da aeronave com o Controle de Aproximação de São Paulo (APP-SP), por volta das 13h05, e as comunicações finais, a partir das 13h19min07s, não estão inclusos nos áudios divulgados. No entanto, o relatório preliminar do Cenipa, que descreve essas mensagens finais, indica que os pilotos seguiram chamando o controle, informando o ponto ideal de descida e recebendo orientações para manter o nível de voo, sem qualquer menção a emergências ou situações anormais.
A gravidade da situação se manifestava através de alertas luminosos e sonoros de detecção de gelo e de queda na velocidade, que surgiram no painel do ATR 72-500 da aeronave enquanto a tripulação ainda se comunicava de forma rotineira com o controle, com passageiros e com uma comissária de bordo.
Uma cronologia detalhada expõe a discrepância:
13h17min20s (3 min e 49 segundos antes da perda de controle): O detector de gelo, que estava aceso, apagou-se. Neste exato momento, o copiloto solicitava informações à comissária para repassá-las ao despachante operacional.
13h17min32s (3 minutos e 37 segundos antes da perda de controle): O aviso do detector de gelo reapareceu no painel. O comandante, simultaneamente, informava os passageiros sobre as condições e o horário previsto para o pouso.
13h18min41s (3 minutos e 8 segundos antes da perda de controle): A aeronave desacelerou para 353 km/h, acionando o alerta sonoro e visual “CRUISE SPEED LOW”, indicando que o gelo impedia a manutenção da velocidade programada. O copiloto, então, finalizava o repasse de informações ao despacho operacional.
13h18min55s (2 minutos e 14 segundos antes da perda de controle): Um alarme único soou na cabine, enquanto o comandante falava com o controle de tráfego aéreo.
13h19min28s (1 minuto e 41 segundos antes da perda de controle): A velocidade caiu para 340 km/h, disparando o alerta “DEGRADED PERFORMANCE”, sinalizando que o desempenho do avião estava comprometido pela formação de gelo. Este alarme foi acionado concomitantemente às trocas de mensagem entre o controle de tráfego aéreo e a tripulação.
13h20min00s (1 minuto e 9 segundos antes da perda de controle): O copiloto comentou: “bastante gelo”. Apenas 5 segundos depois, o sistema de degelo foi acionado pela tripulação.
13h21min09s: O controle da aeronave foi irremediavelmente perdido.
13h22min30s: Colisão com o solo.
Cenário de risco: avisos prévios e o papel do gelo
A formação de gelo no avião, apontada como um fator crítico pelo relatório preliminar, não era um evento isolado ou imprevisível. Além dos sinais detectados na própria aeronave, outros voos na região já haviam reportado condições semelhantes ao controle de tráfego aéreo de São Paulo em horários próximos ao acidente.
Relatos de outros voos e a experiência do copiloto
Por volta das 13h15, aproximadamente sete minutos antes da colisão do voo 2283, uma aeronave comercial informou: “Gelo moderado nível 190 próximo ao GR249”, uma região próxima a Viracopos. O controle respondeu, ciente da situação, e orientou a descida para o nível 170. Após o acidente, mais relatos surgiram: às 13h26, outro voo descreveu estar “pegando gelo desde EVRAL”, perto de Itu. E às 13h27, o controle alertou um terceiro voo sobre o gelo, que confirmou estar ciente de um “gelo leve”.
Ainda, horas antes da queda, durante o voo de ida para Cascavel, o copiloto do voo 2283, Humberto Alencar, enviou um áudio à sua esposa, descrevendo as condições meteorológicas adversas. Na gravação, ele mencionou: “Foi tudo bem, graças a Deus, tirando a turbulência, né? 90% turbulência, gelo. 90% do voo foi com o cinto atado, sinal luminoso de cintos atados. Mas foi tudo bem. A gente conseguiu tomar um cafezinho, pelo menos, conversamos bastante”. Esse depoimento, anterior ao acidente, corrobora a presença de condições propícias à formação de gelo.
Especialistas consultados desde o dia do acidente têm reiterado que a formação de gelo pode ter sido um fator contribuinte crucial, embora acidentes aéreos raramente sejam atribuídos a uma única causa. O Cenipa, em sua investigação, focou na averiguação dos sistemas de degelo da aeronave e na análise do desempenho técnico dos tripulantes como “linhas de ação” primordiais. O relatório final, contudo, ainda não tem prazo para ser divulgado, com as equipes trabalhando para concluir as apurações.
O acidente e as repercussões
O voo 2283, transportando 58 passageiros e quatro tripulantes, caiu em um condomínio residencial em Vinhedo, no bairro Jardim Florido. Milagrosamente, nenhum morador ou pessoa em solo ficou ferida, embora a residência atingida tenha sido seriamente danificada, deixando a família em estado de choque.
Detalhes da queda e a posição da Voepass
A aeronave decolou às 11h58 e manteve um voo tranquilo até aproximadamente 12h20. Às 12h23, atingiu 5 mil metros de altitude e permaneceu nesse nível até as 13h21, quando iniciou uma perda brusca de altitude, acompanhada de uma curva acentuada. Em apenas um minuto, às 13h22, a altitude despencou para 1.250 metros, uma queda de cerca de 4 mil metros, a uma velocidade de 440 km/h, culminando na colisão com o solo.
Em resposta ao trágico evento, a companhia aérea declarou em nota que a queda do voo 2283 representou “o episódio mais difícil” de sua história. A empresa reiterou sua solidariedade às famílias das vítimas, assegurando suporte psicológico contínuo e apoio às homenagens realizadas. A companhia enfatizou seu compromisso com a segurança em mais de 30 anos de operações, destacando a formação de um comitê de crise, a atuação de profissionais especializados e o suporte integral às famílias desde as primeiras horas do acidente. A empresa também afirmou estar trabalhando de forma transparente com as autoridades e empenhada na resolução das questões indenizatórias, que se encontram em estágio avançado. A companhia aérea ressaltou que sempre atuou em conformidade com as exigências rigorosas que garantem a segurança de suas operações, possuindo certificação IOSA e acompanhamento periódico da ANAC.
Perguntas frequentes sobre a queda em Vinhedo
O que revelaram os áudios inéditos?
Os áudios revelaram as comunicações entre pilotos e o controle de tráfego aéreo nos minutos que antecederam a queda do avião em Vinhedo. Neles, as conversas são protocolarmente tranquilas, com trocas de frequência e confirmações de informações, sem qualquer indicação externa de pane ou emergência.
Houve alguma indicação de emergência pelos pilotos ao controle aéreo?
Não, de acordo com os áudios divulgados e o relatório preliminar, em nenhum momento os pilotos indicaram qualquer tipo de pane ou emergência ao controle de tráfego aéreo. A comunicação manteve-se dentro do padrão esperado para uma aproximação para pouso, apesar de alertas internos na cabine já estarem ativos.
Qual o papel da formação de gelo no acidente?
O relatório preliminar do Cenipa, baseado nas informações das caixas-pretas, revelou que o acúmulo de gelo já vinha comprometendo o desempenho da aeronave. Alertas luminosos e sonoros de detecção de gelo e de queda na velocidade surgiram no painel, e outros pilotos reportaram gelo na região no mesmo período, sugerindo que a formação de gelo foi um fator significativo para a queda.
Onde a aeronave caiu?
A aeronave caiu no quintal de uma casa no condomínio Residencial Recanto Florido, no bairro Jardim Florido, em Vinhedo (SP). Apesar do impacto, nenhum morador em solo ficou ferido.
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Fonte: https://g1.globo.com
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